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in Revista de psicología (Santiago)
Escala Multidimensional de Fatalismo: Validação da Versão para Contextos de Pobreza Rural
Introdução
O termo fatalismo está comumente associa-do à ideia de fatalidade, fenômeno que não é possível prever ou evitar. Ignácio Martín-Baró (1942-1989) foi o responsável por introduzir este termo dentro das discussões sobre psicolo-gia da libertação. Ao se debruçar sobre como viviam os povos em situação de marginalização e pobreza na América Latina, Martín-Baró (1998) identificou que o fatalismo se refere a uma compreensão da existência humana se-gundo a qual o destino de todos está predeter-minado e os acontecimentos se dão de modo inevitável. O fatalismo, por estar associado à maneira como os sujeitos se situam frente à própria vida, permite elucidar quais as relações de sentido estabelecidas consigo e com os fatos cotidianos. Dessa forma, representa um esforço ou habilidade cognitiva (Martín-Baró, 1998; Vallejo Martín, Moreno Jiménez, & Ríos Ro-dríguez, 2017) para lidar com os sentimentos de impotência frente ao mundo e a sociedade.
Martín-Baró (1998) apontou a necessidade de entender o fatalismo como um fenômeno psicossocial, que está associado às “... condi-ções econômicas, políticas e culturais de cada sistema social” (p. 82). A percepção da incerte-za, a submissão, o pessimismo (Blanco & Díaz, 2007; Díaz, Blanco, Bajo, & Stavraki, 2015; Martín-Baró, 1998; Vallejo Martín et al., 2017), típicos do fatalismo, não se apresentam de mo-do absoluto ao longo do tempo. Contrariamen-te, sofrem influências dos modos de organiza-ção da sociedade, dos processos de exclusão social e desigualdade que se perpetuam e se agravam ao longo do tempo. Blanco e Díaz (2007) apontam que, atualmente, não é ade-quado falarmos do fatalismo apenas como uma aceitação passiva e submissa de um destino aparentemente irremediável e fruto da vontade de Deus ou de forças sobrenaturais. É possível observar as expressões do fatalismo em socie-dades altamente desenvolvidas, com fortes características individualistas e cujos sujeitos vivenciam a incerteza, a insegurança e a inde-finição típicas da sociedade de risco global descrita por Beck (2006 ).
Esparza, Wiebe, e Quiñones (2015) identifi-caram que, nos últimos 30 anos, tem ocorrido um crescente interesse sobre o construto fata-lismo no interior das investigações sobre psico-logia da saúde e psicologia da personalidade. Isto se deve, em grande parte, a associação identificada entre fatalismo e comportamentos de saúde (Cohn & Esparza del Villar, 2015) e fatalismo e satisfação com a vida (Díaz et al.,2015 ). Pode-se dizer que a interferência das crenças fatalistas sobre a saúde e a percepção de bem estar se dá em duas grandes vias, que estão entrelaçadas. A primeira dispõe sobre o contexto do qual aflora o fatalismo, pois as próprias condições sociais a ele relacionadas, tais como a marginalização social, o isolamen-to, a pobreza e a exclusão, provocam sentimen-tos negativos que afetam a saúde dos sujeitos (Díaz et al.,2015) e se apresentam como de-terminantes sociais que aumentam a incidência adoecimentos ao prejudicarem o uso e a quali-dade do acesso aos serviços de saúde para ações assistenciais e preventivas (Barata, 2009).
Vale destacar que os sentimentos negativos que se perpetuam ao longo do tempo acentuam a crença na imprevisibilidade dos fatos e a sen-sação de estar impotente, o que incide sobre a segunda via, que é colocar-se à mercê dos acontecimentos, acreditando que é impossível ter qualquer tipo de controle ou domínio sobre os fatos negativos. Estão também associados a esta segunda via as relações observadas entre declarações fatalistas e alta incidência de pes-soas que relatam não realizar acompanhamento médico e não adotar comportamentos preventi-vos (Cohn & Esparza del Villar, 2015), bem como as correlações entre fatalismo, perca da confiança nos outros e presença de atitudes negativas para com eles (Díaz et al.,2015), gerando baixos indicadores de bem estar nos níveis individuais e sociais.
Sobre os instrumentos já desenvolvidos, a Escala de Fatalismo Social (Social Fatalism Scale, SFS), estruturada por Díaz et al.(2015), tem como objetivo avaliar as influências do fatalismo coletivista e do fatalismo individua-lista no bem estar de culturas hispânicas. A Escala FATE foi desenvolvida e validada por Straughan e Seow (1998). Para esses autores, o fatalismo é conceitualizado a partir do compor-tamento do indivíduo no que se refere ao cui-dado com a saúde. A Escala de Orientação Va-lórica Cultural (Cultural Value Orientation Sca-le) foi desenvolvida originalmente por Betan-court e McMillin (como citado em Lee, 2014 ). Lee (2014 ) aplicou essa escala com estudantes do Chile e dos Estados Unidos com o objetivo de investigar como as crenças fatalistas influ-enciam a expectativa de sucesso dos participan-tes.
Há também as Escalas de Lócus de Contro-le, uma das dimensões do fatalismo. As mais conhecidas são a de Rotter (1966 ) e a de Le-venson (1973), adaptada ao contexto brasileiro por Dela Coleta (1987 ), que compreende o locus de controle como uma variável que ex-plica como as pessoas percebem os aconteci-mentos da vida. As escalas de locus de contro-le, construídas principalmente a partir de teorias cognitivas, buscam medir a internalidade, ou seja, o grau em que as pessoas acreditam que os eventos da sua vida são controlados por suas ações, e a externalidade, que significa a crença de que esses eventos são determinados por fatores externos. No Brasil, a escala foi aplica-da junto a estudantes universitários, estudantes de ensino médio e pessoas de classe média ( Dela Coleta, 1987 ).
A Escala Multidimensional de Fatalismo (EMF) de Esparza et al.(2015) foi elaborada simultaneamente nos idiomas inglês e espanhol. A EMF conta com 30 itens organizados em torno de cinco fatores: fatalismo, pessimis-mo/desesperança, internalidade, sorte, e contro-le divino. O fator fatalismo, segundo os auto-res, é aquele que melhor descreve o conceito central da escala, estando os demais a ele rela-cionados. Integra itens que versam sobre a no-ção de predestinação. O fator pessimis-mo/desesperança organiza itens sobre as per-cepções de impotência e desânimo. O fator internalidade apresenta uma relação inversa com o fatalismo (Esparza Del Villar, 2012). Escores mais altos de internalidade estariam relacionados com maior locus interno, que é quando o sujeito adota como referenciais ex-plicativos dos acontecimentos sua própria con-duta, habilidades e esforços (Palomar Lever & Cienfuegos Martínez, 2007). O fator sorte se relaciona com variáveis aleatórias e imprevisí-veis. O controle divino remete à referência em uma entidade sobrenatural como responsável pelo curso da vida, embora se distancie da no-ção de predestinação.
É importante assinalar que a EMF apresenta aproximações com as considerações de Martín-Baró (1998), que apontava a relevância de in-vestigações quanto às expressões deste fenô-meno junto às populações em condições de pobreza. De acordo com esse autor, o fatalismo pode manifestar-se a partir de ideias, pensa-mentos e ações. Neste primeiro âmbito, há uma compreensão de que a realidade e os aconteci-mentos da vida de um indivíduo podem ser explicados por forças sobrenaturais, aproxi-mando-se do fator controle divino. Já o pessi-mismo poderia ser entendido como relacionado ao sentimento de aceitação do sofrimento. O fator sorte dispõe sobre a resignação frente ao próprio destino manifestado por um indivíduo com atitudes fatalistas. A internalidade deve ser concebida em uma perspectiva inversa, assu-mindo o oposto as ações de passividade, con-formismo e submissão constituintes do fatalis-mo.
Merece destaque que as escalas existentes para mensuração do construto fatalismo foram estruturadas para serem validadas em contextos nos quais os sujeitos possuíam significativo nível de escolarização. A variável pobreza, nesses estudos, não foi considerada, bem como não há registro de um olhar atento para as es-pecificidades que distinguem contexto urbano e contexto rural. Esparza et al.(2015) explicitam a necessidade de validar a EMF para outras populações que não estudantes universitários. Há uma carência de validação de escalas adap-tadas a situação de pobreza e, especificamente, que contemplem as singularidades dos contex-tos rurais. Esse processo exige a adequação da metodologia de aplicação, análise e discussão dos dados contextualizados a essas realidades. A validação desse instrumento contribuirá para o desenvolvimento de pesquisas futuras e para a prática profissional nas políticas públicas que abrangem modos de vida rurais.
Sabe-se que, em contextos de pobreza, as experiências recorrentes de indefinição quanto ao futuro e de perca de controle sobre a própria vida favorecem a recorrência das expressões do fatalismo, que podem vir a se constituir co-mo uma alternativa adaptativa de aceitação de condições de vida causadoras de sofrimento (Ximenes & Cidade, 2016). Não obstante, quando as discussões se voltam especificamen-te para o contexto rural, as problemáticas vivi-das pela população e as expressões da pobreza se intensificam, como o elevado número de pessoas em situação de miséria, alcançando 7,5 milhões e precário acesso à estrutura de sanitá-ria e abastecimento de água (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2011). A estas ques-tões se somam problemas sociais básicas como o analfabetismo, a fome, as dificuldades de acesso aos serviços de educação e saúde, a insegurança fundiária e a violência no campo (Leite, Macedo, Dimenstein, & Dantas, 2013). Assim, há evidências que a pobreza em contex-tos rurais e urbanos tem impactos específicos na subjetividade dos indivíduos (Ximenes, Moura Júnior, Cruz, Silva, & Sarriera, 2016).
Um relevante desafio é reconhecer as difi-culdades pelas quais passam os sujeitos que habitam o contexto rural, porém considerando que estes espaços incidem na constituição de processos subjetivos específicos que necessi-tam ser evidenciados ( Landini, 2015 ). Elemen-tos de destaque para a discussão sobre fatalis-mo dispõem sobre as crenças religiosas, as re-lações de cooperação estabelecidas na vizi-nhança e que podem ou não interferir nas no-ções de pessimismo e na satisfação com a vida. A psicologia necessita, para dar conta dessas singularidades, debruçar-se sobre este contexto e formular conhecimentos e instrumentais con-dizentes (Albuquerque, Sousa, & Martins, 2010), rejeitando a histórica transposição acríti-ca para o cenário rural dos saberes forjados no contexto urbano. O objetivo do artigo, então, é traduzir, adaptar culturalmente e validar a EMF de Esparza et al.(2015), em sua versão reduzi-da, para populações brasileiras em situação de pobreza rural.
Método
Caracterização da amostra
A amostra contou com um total de 1.318 participantes da zona rural de três cidades bra-sileiras localizadas em diferentes regiões brasi-leiras, sendo 583 sujeitos do município de Pen-tecoste (Ceará); 375 do município de Humaitá (Amazonas); e 360 do município de Cascavel (Paraná). Com relação à renda per capita domi-ciliar dos participantes, o município de Pente-coste apresentou menor renda média entre os participantes (R$ 355,42), seguido de Humaitá (R$ 457,52) e Cascavel (R$ 631,95). Esses dados demonstram que os participantes se en-contram em situação de pobreza, recebendo menos que um salário mínimo, referenciado em R$ 880,00 no ano de realização da pesquisa. A média de idade dos respondentes foi de 42 anos. A maioria dos participantes foram mulhe-res (70,3%). No que se refere à raça/cor da pele, a maioria se declarou como parda (63,2%), restando 4,4% pretos, 2,8% amarelos, e 1,3% indígena. Quanto ao estado civil dos entrevistados, 60,2% das pessoas se declararam casadas, 26,4% solteiras, 7% separa-das/divorciadas, e 6,4% viúvas.
A frequência escolar revela um baixo acesso à educação. Do total da amostra, 10,7% res-ponderam nunca ter frequentado a escola, en-quanto apenas 28,7% possuem ensino médio completo ou cursaram ensino superior e uma percentagem maior (34,4%) não chegaram a concluir o ensino fundamental. Sobre o tipo de moradia, em relação à amostra total, 57,3% da amostra afirmaram residir em casa de alvenaria, 36,8% em casa de madeira, enquanto 0,3% responderam morar em casa de palafita e 0,3% em casa de papelão, plástico ou compensado. Com relação a benefícios sociais e transferên-cia de renda, em relação à amostra total, 38,27% dos participantes recebem bolsa famí-lia, enquanto 17,34% são beneficiários do Be-nefício de Prestação Continuada. No que se refere ao bolsa família, essas percentagens são maiores nos municípios de Pentecoste (48,7%) e de Humaitá (49,3%).
Instrumento
A EMF foi elaborada por Esparza et al. (2015) e validada para o contexto estaduniden-se e mexicano com o intuito de reunir, em um único instrumento, fatores capazes de identifi-car expressões do fatalismo. Propuseram, en-tão, a existência de uma escala multidimensio-nal composta por cinco fatores (fatalismo, pes-simismo/desesperança, internalidade, sorte e controle divino), que reúnem cada um seis rea-tivos, gerando um total de trinta itens. A consis-tência interna dos fatores apresentava alfa de Cronbach com variação de .760, onde fatalis-mo possuía α = ,760, pessimismo/desesperança α = ,760, internalidade α = ,800, sorte α = ,820 e controle divino α = ,920. A escala é do tipo likert, composta por cinco pontos de respostas (0 = discordo muito, 1 = discordo, 2 = nem concordo, nem discordo, 3 = concordo, 4 = concordo muito), que expressam o grau de concordância dos participantes com as afirma-ções a eles apresentadas.
Procedimento de redução, tradução e adap-tação
Para a elaboração da versão abreviada, fo-ram utilizadas as propriedades psicométricas da versão original da escala desenvolvida por Es-parza et al.(2015). Neste estudo de validação da escala para o contexto mexicano, a amostra foi composta por 791 estudantes universitários de psicologia, sendo 64,6% do sexo feminino e 35,4% do sexo masculino, com uma idade mé-dia de 20,34 anos (σ = 4,65). Em sua maioria, os participantes eram hispânicos (86,2%), sol-teiros (90,5%) e possuíam como chefes de fa-mília donos de empresas de médio porte, pro-fissionais atuantes em áreas não especializadas e trabalhadores técnicos.
A partir da escala original, foram seleciona-dos os três itens com maior carga fatorial em cada um dos cinco fatores, gerando uma escala com um total de 15 itens. Essa seleção dos itens foi realizada a priori, sendo a versão aplicada já no formato reduzido. Observa-se que essa foi uma das limitações da validação realizada, pois haveria uma maior robustez caso a redução dos itens ocorresse depois da aplicação da versão original. No entanto, é importante salientar que o procedimento realizado na redução obedece às orientações de Hair, Black, Babin, Ander-son, e Tatham (2009), que assinalam que os itens de maior carga fatorial são os que melhor representam o construto do fator ao qual se relacionam.
A tradução da versão em espanhol da EMF para a versão reduzido em português foi reali-zada por um psicólogo bilíngue, com experiência de atuação e pesquisa na área, e um tradutor juramentado, sem conhecimentos prévios sobre a temática. As traduções resultantes foram integradas em um relatório síntese para a formulação de um consenso final da primeira versão do instrumento. Os conteúdos foram analisados e comparados de forma a assegurar interpreta-ções equivalentes à Escala original em Espanhol. A síntese das traduções foi submetida a uma retradução (backtranslation), processo através do qual o conteúdo retorna para sua versão em espanhol a fim de assegurar a correspondência semântica da escala. Em um momento final da etapa de tradução, um grupo de pesquisadores, com conhecimento adequado sobre pesquisas em contextos de pobreza rural, realizou uma leitura crítica dos itens analisando a adequação conceitual e a correspondência cultural, o que gerou a versão final dos itens expressa na tabela 1 .
Procedimento do pré-teste
O pré-teste foi realizado com 207 moradores de uma comunidade rural da cidade de Pente-coste no estado do Ceará, situado no nordeste brasileiro. Nesta primeira versão, os itens foram apresentados tal como provenientes do proces-so de tradução. Procedeu-se uma mudança no processo de aplicação da escala, que na versão de Esparza et al.(2015) era autoaplicável, para um preenchimento no qual a emissão da res-posta era mediada pela presença de um pesqui-sador com qualificação na área. Esta alteração se deu em virtude da alta recorrência, na área rural, de pessoas com baixa escolarização, bem como ao reconhecimento de que as escalas psicométricas são formuladas, em sua imensa maioria, para serem aplicadas em contextos culturais eminentemente urbanos.
Finalizada a etapa do pré-teste, foram reali-zados procedimentos qualitativos de aperfeiço-amento da escala reduzida. A fase de testes quantitativos foi planejada para ser executada com uma amostra mais ampla e com uma maior variabilidade ecológica. Em uma perspectiva multidimensional da pobreza, é importante conceber a situação de privação como contex-tual. Identificou-se que a alteração no procedi-mento de aplicação acarretou mudanças na interpretação dos itens da escala, apresentados em primeira pessoa do singular, referenciando-se a “eu”. Os itens tiveram seus tempos verbais modificados para “você”, indicativo de segun-da pessoa do singular, com o intuito de inserir uma referência direta ao sujeito respondente durante a leitura do item pelo pesquisador (ver tabela 2 ).
Análises realizadas
Primeiramente, foram observados índices adequados de normalidade e linearidade da amostra. Os valores perdidos foram especifi-camente 2,1% da amostra, sendo utilizado o método de imputação por regressão para esses casos. Para estabelecer a validade do construto da escala reduzida e adaptada de fatalismo, foi utilizada uma amostra de 1.111 participantes divididas entre as três cidades indicadas, não estando presente os indivíduos que participa-ram do pré-teste. Assim, foi realizada a análise fatorial exploratória (AFE) para avaliar sua estrutura interna. Utilizou-se o método de ve-rossimilhança máxima com rotação oblimin direto. O pacote estatístico foi o SPSS 22. Igualmente, foi utilizado o coeficiente alfa para fidedignidade dos fatores da escala reduzida e adaptada. Foi realizada uma análise fatorial confirmatória do modelo advindo da AFE para verificar a capacidade do modelo representar o construto com a mesma amostra utilizada. As-sim, foi utilizada como método da análise fato-rial confirmatória (AFC) a estimação da máxi-ma verossimilhança (Díaz et al., 2006). Foram utilizados o índice comparativo de ajuste (CFI) e o índice de Tucker e Lewis (TLI) superiores a 0,95; a raiz quadrada média do erro de aproxi-mação (RMSEA) inferior a 0,05 (McDonald & Ho, 2002); e a raiz quadrada média residual padronizada (SRMR) inferior a 0,05 (Hair et al., 2009) como parâmetros de excelência dos ajustes. Foi também usado modified expected cross-validation index (MECVI) que objetiva identificar a validação cruzada do modelo. Os índices mais próximos de zero representam um melhor ajuste do modelo referente a perspecti-va cruzada (Byrne, 2001).
Procedimentos éticos
A pesquisa respeitou os princípios éticos re-gulamentados pela resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, e foi submetida, mediante cadastro na Plataforma Brasil, ao Comitê de Ética de uma instituição de ensino superior brasileira. Foi aprovada com CAAE 46474715.5.1001.5054 e Parecer Nº 1.233.648. Os objetivos e a metodo-logia da pesquisa foram explicados a cada par-ticipante, que aderiram voluntariamente ao es-tudo mediante assinatura de termo de consen-timento informado.
Resultados
A análise de confiabilidade da escala, em sua versão reduzida composta por 15 itens, obteve α de Cronbach igual a ,759, o que re-presenta valor adequado de consistência interna (α ≥ ,7). O instrumento apresenta três itens com valores invertidos (“A vida está determinada por suas próprias ações”, “O que a pessoa ga-nha da vida é resultado do esforço que ela de-dica” e “O que acontece com uma pessoa é resultado do esforço que ela faz”). O teste de esfericidade de Bartlett apontou p < ,001 [22 (105) = 3233,431], indicando valor significati-vo e rejeição da hipótese nula de matriz de cor-relação identidade. Como a teoria disponível sobre o construto fatalismo indica que existem distinções entre os fatores da escala, foi reali-zada uma análise fatorial exploratória como método de verossimilhança máxima com rota-ção oblimin direto. Adotou-se como critério a exclusão de todas as cargas fatoriais menores que 0,3, tal como recomendação de Laros (2004 ).
A obtenção de quatro fatores na análise con-traria a versão original de Esparza et al.(2015), que apontaram uma composição de cinco fato-res para o instrumento. Para esses autores o fator fatalismo é o que mede puramente o fata-lismo. Os outros fatores (pessimis-mo/desesperança, internalidade, sorte, e contro-le divino) contribuem para medir o fatalismo, estando a ele relacionados, mas devem ser con-siderados separadamente. Os resultados apon-tam que o fator 1 explica 21,93% da variância comum com autovalor 3,85, o fator 2 explica 8,097% com autovalor 1,78, o fator 3 esclarece 4,34% com autovalor 1,31, e o fator 4 elucida 2,96% com autovalor 1,04, conforme tabela 3 .
Tomando como referenciais trabalhos que abordam discussões sobre o fatalismo (Blanco & Díaz, 2007; Díaz et al., 2015; Martín-Baró, 1998; Ximenes & Cidade, 2016), a nova confi-guração da escala reduzida tem como fator 1-sorte, fator 2-controle divino, o fator 3-controle interno, e o fator 4-pessimismo/desesperança, com os itens invertidos. O baixo valor do alfa de Cronbach dos fatores 2, 3 e 4 (α ≤ ,7), não indica uma baixa confiabilidade, pois, como aponta Field (2013), o número de itens de uma subescala pode interferir na consistência inter-na obtida de cada um dos fatores.
Foi realizada também uma análise fatorial confirmatória com a estrutura fatorial advinda da análise da fatorial exploratória [χ² (71) = 398,441, < 0,001]. No entanto, o modelo não obteve índices adequados de CFI (,891), TLI (,861), RMSEA (,067), SRMR (,0614) e ME-CVI (,392). Além disso, os parâmetros estima-dos dos itens do fator controle interno obtive-ram cargas baixas e não significativas: “A vida está determinada por suas próprias ações” (,067; p = ,202); “O que a pessoa ganha da vida é sempre resultado do esforço que ela dedica” (,099; p = ,173); “O que acontece com uma pessoa é consequência do que ela faz” (,044; p = ,263). Por conta disso, foi realizada uma mo-dificação na estrutura da escala, eliminando o fator controle interno junto com os itens acima citados que não tiveram os parâmetros signifi-cativos. Foram realizadas uma nova análise de confiabilidade e análise fatorial exploratória com método de verossimilhança máxima com rotação oblimin direto. Nessa nova proposta de escala com 12 itens, o alfa de Cronbach melho-rou comparado com a versão de 15 ítens (α = ,802). tabela 4
Nesta nova AFE, as análises preliminares obtiveram resultados semelhantes a escala com 15 itens [KMO (Kaiser Meyer Olkin) = ,832; teste de esfericidade de Bartlett 22 (66) = 3026,145; p < ,001]. O item “Não importa o que você faça, se algo ruim vai acontecer com você acontecerá de qualquer jeito” não foi car-regado em nenhum fator. Com essa nova estru-tura, o fator 1 seria sorte, o fator 2 controle divino, e fator 3 pessimismo. Os fatores tive-ram uma melhor variância explicada com a eliminação da dimensão controle interno. Tam-bém ocorreu um processo de melhora dos índi-ces de confiabilidade dos fatores da escala, como também o alfa de Crobach (α = ,762) da escala com 11 itens é adequado.
Com a escala com somente três fatores e 11 itens, foi realizada uma nova AFC com método de estimação de máxima verossimilhança [χ² (41) = 264,417, < 0,001]. Foi identificado que os índices não portavam graus de excelência para confirmação do novo modelo proposto da escala a partir do CFI (,955), TLI (,936), SRMR (,0614), RMSEA [,067(,061-,074)] e MECVI (,310), necessitando estabelecer duas covariân-cias entre os erros ( tabela 5 ).
Assim, foi realizada uma nova AFC com duas covariâncias. Foi identificado que o item 2 (Se acontecem coisas ruins, é porque tinha que ser assim) possui covariâncias com os itens 1 (“Tudo que acontece com uma pessoa foi planejado por Deus”) e 5 (“Qualquer coisa que aconteça na sua vida é porque Deus quer que aconteça”). Essas novas relações melhoraram os índices de ajuste do modelo com os itens, pois obtiveram excelentes pontuações para confirmação do modelo com 11 itens e três fatores (pessimismo, controle divino e sorte) [χ² (39) = 172,221; < 0,001]. De acordo com McDonald e Ho (2002), o índice comparativo de ajuste (CFI = ,953) foi acima do adequado e o índice de Tucker e Lewis (TLI = ,933) foi próximo ao valor de excelência, assim como a raiz quadrada média do erro de aproximação (RMSEA = ,058). Igualmente, o índice de vali-dação cruzada também obteve um valor bastan-te satisfatório, aproximando de zero (,192). A raiz quadrada média residual padronizada (SRMR = ,0493) foi obteve um índice adequa-do (Hair et al., 2009). Como um último índice utilizado para validação cruzada, foi aplicado o modified expected cross-validation index (MECVI = ,224), alcançando valor adequado em virtude de aproximar-se de zero (Byrne, 2001).
Identifica-se que a covariância mais forte está entre os fatores pessimismo e sorte. Os fatores mais altos para pessimismo é o item 11 (“O sucesso está determinado quando se nasce, não há nada que se possa fazer para ter sucesso na vida”); para controle divino é o item 5 (“Qualquer coisa que aconteça na sua vida é porque Deus quer que aconteça”); e para sorte é o item 7 (“Quando acontecem coisas boas com as pessoas é por sorte”).( figura 1 )
Discussão e conclusões
As propriedades psicométricas encontradas demonstraram-se confiáveis para realizar a mensuração de fatalismo junto a pessoas em situação de pobreza rural. Os itens, de fácil aplicação, distribuíram-se em fatores adequa-dos e consistentes com o referencial teórico, tendo em vista que se caracterizam como di-mensões que explicam a atitude fatalista. Com-parativamente à escala original de Esparza et al.(2015), a versão reduzida apresentou dois fato-res a menos, justamente aquele intitulado como fatalismo, que havia apresentado na primeira edição menor variância explicada (2,47%) e o fator controle interno. Estes autores adotam como definição do fatalismo a expressa pela Real Academia Española e pelo Merriam-Webster’s collegiate dictionary (Esparza del Villar, 2012; Esparza et al., 2015), que o con-ceituam como a crença ou aceitação de que tudo acontece em virtude de um destino inevi-tável ou predestinado.
O que se entende neste estudo de validação, a partir de definições de Martín-Baró (1998) e Díaz et al., (2015), é que predestinação é um elemento transversal à toda definição do construto fatalismo, estando presente na elaboração das ideias de sorte, controle divino e pessimismo/desesperança. Martín-Baró (1998) descreveu que algumas das principais características das atitudes fatalistas são a cren-ça em um destino imutável, o sentimento de resignação frente ao futuro e a passividade (devido a uma tendência a não realizar esfor-ços). Por sua vez, Díaz et al.(2015) apontam que a predeterminação representa uma das principais dimensões do fatalismo, ao lado do pessimismo, do presentismo e da falta de con-trole.
Esparza del Villar (2012) sugeriu, inicial-mente, o uso do termo locus interno para intitu-lar o fator oposto ao fatalismo e que, posteri-ormente, foi nomeado de internalidade na vali-dação da EMF. No processo de validação, a retirada do fator internalidade, indica que os elementos explicativos do fatalismo dizem res-peito ao controle externo, relativo às forças divinas (controle divino) ou sobrenaturais (sor-te), que podem ser geradoras de pessimismo e desesperança.
A crença na força do destino está acompa-nhada da passividade diante da ideia de ser impossível ter controle sobre os fatos da vida, havendo, portanto, uma primazia do controle das forças externas, sejam elas divinas ou am-bientais, sobre os acontecimentos. Essa ideia de passividade também foi encontrada em outros estudos, tanto em contextos latino-americanos como também junto às populações dos Estados Unidos. Straughan e Seow (1998), por exem-plo, encontraram uma relação positiva entre a atitude fatalista e o comportamento passivo diante da saúde. Já estudo de Vallejo Martín et al.(2017) concluiu que quanto maior o fatalis-mo, menor a participação comunitária e políti-ca.
Cabe destacar também a dupla face do fata-lismo discutida por Blanco e Díaz (2007). Para eles, o fatalismo deve ser entendido tanto nessa perspectiva tradicional de resignação, aceitação e passividade frente a um destino considerado imutável e fora de controle, como também co-mo estratégia de adaptação diante das caracte-rísticas da sociedade contemporânea, marcada pelo risco, ameaças, isolamento social e incer-teza. Os efeitos nocivos dessas características são sentidos mais fortemente por pessoas em situação de pobreza. Em uma pesquisa desen-volvida com uma amostra brasileira, foi identi-ficado que pessoas em condições de pobreza portavam maiores médias de pessimismo, sorte, controle divino e menores médias para espe-rança e senso de comunidade (Cidade, Moura Jr., Nepomuceno, Ximenes, & Sarriera, 2015).
Em contextos de pobreza, a acentuação das problemáticas sociais intensifica a vivência dos acontecimentos como incertos e indefinidos. Considerar que os fatos estão predestinados minimiza os efeitos dos sentimentos recorrentes de insegurança quanto ao futuro e de estar vul-nerável aos fatos que se dão independentemen-te das ações tomadas pelos sujeitos. Assim, predestinação e controle divino se aproximam, mas não a ponto de incorrerem em uma fusão total. Afinal, o controle divino delimita a ideia de uma entidade sobrenatural, à qual se con-vencional chamar de Deus, que rege o curso da vida e detém o poder explicativo e realizador dos fatos, sendo a única instância capaz de prever os acontecimentos. Isto não quer dizer que a força sobrenatural seja interpretada ape-nas como realizadora de fatos negativos na vida dos sujeitos, mas sim que ela é compreen-dida como aquela que detém o saber sobre os acontecimentos. Essa ideia pode explicar a co-variância entre o item 2 (“Se acontecem coisas ruins, é porque tinha que ser assim”) com o item 1 (“Tudo que acontece com uma pessoa foi planejado por Deus”) e o item 5 (“Qualquer coisa que aconteça na sua vida é porque Deus quer que aconteça”), que demonstram a relação entre pessimismo e religiosidade. Sobretudo em contextos de pobreza, os afetos oriundos da controlabilidade limitada dos perigos (Blanco & Díaz, 2007) favorecem sentimentos de des-crença em dias melhores.
Além disso, a forte referência religiosa das populações pobres latino-americanas, para Martín-Baró (1998), culminava na atribuição do destino das pessoas a um Deus todo podero-so, cuja sabedoria não poderia ser questionada. Essa relação entre religiosidade e fatalismo também foi discutida por Lee (2014 ), que en-controu maior fatalismo em grupos com mais intensa religiosidade. Para discutir o fatalismo a partir das concepções de divindade que integra, é importante destacar a diferença entre dois modelos de religião: a religião da ordem e a religião subversiva (Martín-Baró, 1998). A pri-meira favorece o funcionamento e a conserva-ção da ordem sócio-política, servindo aos inte-resses dominantes. Gera alienação e atitudes fatalistas, tendo em vista que o sujeito coloca nas mãos de Deus a decisão sobre o destino. Já a religião subversiva questiona o ordenamento social, levando à conscientização e a ações que buscam a transformação e a luta contra as opressões e injustiças sociais. É válido discutir os condicionamentos sociais que permitem a manifestação das percepções de controle divi-no e os interesses socioideológicos que o per-petuam, sem esquecer que a religiosidade pos-sui papel protetivo aos elementos estressores da vida em condições de pobreza (Palomar Lever & Estrada, 2010).
O pessimismo envolve a descrença de que algo positivo irá acontecer. Trata-se de uma desesperança aprendida ( Ardila, 1979 ), pois é fruto dos esforços fracassados em obter êxito. Contudo, o ceticismo associado ao fatalismo não é o fator que ocasiona passividade e que impede a saída do sujeito da pobreza. Palomar Lever e Cienfuegos Martínez (2007) afirmam que sair ou não da pobreza não depende so-mente do sujeito ter ou não motivação para tanto, mas sim que a eles sejam asseguradas condições estruturais para que o esforço, o talento e o mérito se convertam em melhores condições de vida.
O fator sorte é o que apresenta maior vari-ância explicada (21,93%). Dispõe sobre a cren-ça de que o êxito está associado às causas que estão fora do controle, o que pode se converter em uma estratégia protetora que assegura uma visão positiva dos sujeitos sobre si mesmos (Palomar Lever & Cienfuegos Martínez, 2007), ao não se confrontarem com sentimentos de desânimo e incapacidade. Este fator parece em oposição a uma referência de controle interno ao sujeito, de modo que quanto mais forte a crença de que os acontecimentos da vida são devidos à sorte, mais fraca a internalidade e menor a capacidade de que explique o fatalis-mo. Afinal, a sorte deriva da percepção de que os acontecimentos não estão relacionados com os esforços individuais ( Rotter, 1966 ).
Por fim, entende-se que controle divino, pessimismo/desesperança e sorte representam a base para a definição do fatalismo enquanto fenômeno que se constitui e é reproduzido ao longo do tempo a partir das experiências con-cretas dos sujeitos em contextos de pobreza. A validação da EMF para populações em situação de vulnerabilidade rural favorecerá o desen-volvimento de estudos que avaliem as influên-cias do fatalismo nos modos de interação soci-al, nas relações comunitária, na satisfação com a vida e nas práticas de saúde.
Conclui-se que a presente pesquisa, median-te aplicação de escala reduzida de fatalismo junto a moradores de três regiões brasileiras, encontrou medidas psicométricas adequadas à sua mensuração junto a populações em contex-to de pobreza rural. A escala é de simples e de rápida aplicação. A escala reduzida passou a ser composta por onze itens, distribuídos em três fatores: sorte, controle divino e pessimis-mo/desesperança. Os fatores apresentam-se coerentes com o referencial teórico adotado, que compreende o fatalismo como a crença em um destino considerado imutável e fora de con-trole, acompanhado de resignação e passivida-de.
É necessário considerar o fatalismo também como adaptação diante das incertezas e amea-ças características da sociedade contemporâ-nea, devendo ser compreendido como resulta-do de um processo de determinação oriundo da estrutura social, de modo que são necessárias adequadas condições de vida para a superação da atitude passiva. Assim, a validação da escala de fatalismo permite que sejam realizadas no-vas pesquisas que se aprofundem na compre-ensão da situação de pobreza, que está intima-mente relacionada às condições sociais das populações da zona rural.
Introdução
Método
Caracterização da amostra
Instrumento
Procedimento de redução, tradução e adap-tação
Procedimento do pré-teste
Análises realizadas
Procedimentos éticos
Resultados
Discussão e conclusões